por Deborah Portilho
Jornal Gazeta Mercantil, Caderno Legal & Jurisprudência, 27.09.2005
Tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei1 que propõe que seja permitido aos fabricantes de medicamentos genéricos não apenas “clonar” as embalagens dos medicamentos de referência de venda livre, como também usar as marcas desses produtos nas embalagens dos genéricos. De acordo com seu propositor, esta seria uma “medida singela importante para o cidadão localizar e visualizar medicamentos idênticos, fabricados por diferentes indústrias, já “praticada inclusive nos EUA”. Será mesmo?
Primeiramente, é importante observar que um dos principais objetivos da Lei dos Genéricos seria justamente desvincular as marcas dos produtos de referência dos nomes dos princípios ativos, de modo que os medicamentos fossem identificados pelo nome da substância e não mais pela marca. Por este aspecto, portanto, a proposta constitui um retrocesso.
Sob o ponto de vista do consumidor, as pesquisas indicam que o projeto não se justifica. De acordo com um estudo conduzido pelo IMS Health e pelo IBOPE, o consumidor está muito mais familiarizado com o genérico do que os próprios médicos. Além disso, pesquisas demonstram que, no primeiro semestre, as vendas dos genéricos cresceram 20,8% em unidades e geraram um faturamento 47% superior ao de igual período em 2004. Portanto, não há qualquer indicação de que os consumidores estejam com dificuldades com relação à identificação dos genéricos. E mesmo que algum consumidor não saiba qual o genérico de determinado produto, convenhamos que não há necessidade de se criar uma lei para isto; basta que o consumidor indague ao balconista ou farmacêutico.
Sob o ponto de vista legal, o projeto ignora o fato de que o direito à propriedade e à exclusividade de uso de marcas registradas está previsto em lei específica4 e na Constituição Federal e, também, que as embalagens dos produtos, mesmo que não estejam registradas como marcas, contam com a proteção do instituto da concorrência desleal. Nesse ponto, é importante ressaltar que, para que a concorrência desleal fique caracterizada, não é necessário que efetivamente haja confusão entre embalagens, mas tão-somente o risco de confusão em relação aos produtos ou à sua verdadeira origem.
Nesse aspecto, é importante notar que a tarja amarela com o grande G e a frase ‘Medicamento Genérico’ são suficientes para que o consumidor identifique o produto como um genérico, mas não para evitar a associação de duas embalagens semelhantes. Isto se deve ao fato de que o referencial da percepção é sempre a expectativa familiar enraizada na memória. Assim,a visualização de uma embalagem clonada traz à mente do consumidor a imagem “familiar” do produto de referência e, com ela, todos os seus valores intangíveis, ou seja, a confiança e a reputação do produto e de sua marca no mercado. Desta forma, o uso de uma embalagem clonada por um genérico não só gera um risco de confusão para o consumidor, mas também propicia que o genérico se beneficie da fama e do prestígio do produto de referência.
Justamente por este motivo é que a legislação norte-americana, ao contrário do alegado no projeto de lei em discussão, não permite que a embalagem de um genérico seja semelhante à do produto de referência, o que pode ser facilmente verificado no ‘site’ do FDA – U.S. Food & Drug Administration.
Como se constata, os fundamentos apresentados como justificação para o projeto de lei em questão não são legítimos, ou sequer verdadeiros. Além disso, sob a alegação de estar visando à defesa do consumidor, este projeto, na verdade, beneficia as empresas que preferem trilhar o caminho fácil da “carona” na fama e no prestígio dos produtos alheios – a famosa “Lei de Gerson” que tanto nos envergonha.