por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 159 – Ano 39 – Mar/Abr 2016, p. 60-61
As expressões “família de marcas” e “família de medicamentos” são largamente usadas com relação às marcas farmacêuticas e por vezes até utilizadas como sinônimas. Contudo, seus significados, apesar de próximos, são distintos e todos aqueles que trabalham na área – seja criando, gerenciando, ou defendendo as marcas farmacêuticas ¬– precisam ter conhecimento das semelhanças e diferenças entre essas expressões, pois isso pode impactar tanto no registro do produto perante a ANVISA, como na sobrevivência da família no universo marcário.
No Direito Marcário, o conceito de “família de marcas” é utilizado para identificar grupos de marcas que podem ser reconhecidos pelos consumidores por meio de um elemento em comum que possibilite que esses consumidores não apenas relacionem as marcas de uma mesma família entre si, como também as associem a um único fabricante. Um exemplo bastante conhecido é o da NESTLÉ, cujas marcas dos produtos da “família” iniciam pelo prefixo NES: NESCAFÉ, NESCAU, NESTON, NESTEA, NESQUIK, NESTOGENO e NESLAC.
No segmento farmacêutico, essa prática é mais comum ainda, tanto para indicar a origem do produto, como para sinalizar que o produto pertence a uma família de medicamentos para determinada finalidade terapêutica, de um laboratório específico.
Entre os vários exemplos que poderiam ser citados, destacamos dois. O primeiro é o uso do radical NEO, tanto como prefixo quanto como sufixo, em diversas marcas do Laboratório Neo Química(1), tais como: NEOPIRIDIN, NEOSORO, NEO DIMETICON, NEO LORATADIN, NEOPANTOL, NEOCOFLAN, CAPOTRINEO, CETONEO e TILOXINEO. O segundo exemplo é uma família de marcas da Boehringer Ingelheim, formada pelo prefixo BUSCO, para identificar uma linha de medicamentos para diferentes tipos de dores (abdominais, menstruais, estomacais): BUSCOPAN, BUSCOFEM, BUSCODUO e, ainda, duas outras já registradas perante o INPI, mas ainda sem uso no mercado nacional: BUSCOZOL (Reg. 828893802) e BUSCOGAST (Reg. 901138690).
O benefício da adoção de famílias de marcas e de medicamentos está na possibilidade de o consumidor associar os produtos com o laboratório fabricante e/ou os produtos entre si e, ao fazer tais associações, ele poder transferir ao novo produto os mesmos atributos, características e qualidade do produto que ele já conhece e confia.
Observe-se, contudo, que, apesar de possuírem conceitos e benefícios semelhantes, a definição de “família de marcas” não se confunde com a de “família de medicamentos”. Ademais, como será visto adiante, toda família de medicamentos é também uma família de marcas, mas a recíproca não é verdadeira.
Nesse aspecto, como o próprio nome indica, “família de medicamentos” é uma designação de uso exclusivo da área farmacêutica, a qual está prevista nas normas estabelecidas pela ANVISA, no art. 4º, inciso IV, e no art. 5º de sua RDC nº 59/2014:
Art. 4º – Para efeito deste regulamento técnico são adotadas as seguintes definições:
IV – família de medicamentos: conjunto de produtos farmacêuticos de uma mesma empresa, com mesmo(s) fármaco(s) identificador(es) agrupados por um nome [em] comum e diferenciados por complementos individuais.
Art. 5º – Os medicamentos da mesma empresa, cuja formulação contenha pelo menos um fármaco identificador, poderão ser agrupados em famílias compartilhando um nome comum e adotando complementos diferenciadores que os distingam.
Um exemplo que facilita a compreensão do conceito de família de medicamentos é a família TYLENOL da Johnson & Johnson. Tal como estabelecido pelas regras da citada RDC 59/2014, a família de medicamentos TYLENOL é formada por um fármaco identificador em comum a todos os produtos (o Paracetamol) e por complementos diferenciadores [Bebê, AP (ação prolongada), DC (dor de cabeça), Sinus (para sintomas da sinusite) e Criança](2). Da mesma forma, por ter uma marca em comum para todos os produtos, a família TYLENOL também se enquadra na definição de família de marcas. Outro exemplo de família de medicamentos que é também uma família de marcas é a do CATAFLAN, da Novartis, formada pelo fármaco identificador Diclofenaco dietilamônio e diferenciada por seus respectivos complementos: CATAFLAN Aerosol, CATAFLAN SPORT ICE, CATAFLAN EMULGEL, CATAFLANPRO XT.
Como se verifica, no caso do registro perante a ANVISA, o profissional da área regulatória precisa saber que apenas os medicamentos cuja formulação contenha pelo menos um fármaco identificador em comum podem fazer parte de uma mesma família de medicamentos. Assim, caso esse profissional queira criar uma “família”, mas os produtos possuam fármacos identificadores distintos, ele pode se valer do conceito de “família de marcas”.
Nesse sentido, as marcas BUSCOPAN (butilbrometo de escopolamina), BUSCOPAN COMPOSTO (butilbrometo de escopolamina + dipirona sódica) e BUSCOPAN PLUS (butilbrometo de escopolamina + paracetamol) atendem aos requisitos da ANVISA para formar uma família de medicamentos e constituem, igualmente, uma família de marcas. Entretanto, como o medicamento fabricado pelo mesmo laboratório para dores menstruais não contém butilbrometo de escopolamina (que é o fármaco identificador da família BUSCOPAN), mas tão somente o ibuprofeno, ele não pode fazer parte da família de medicamentos BUSCOPAN. Contudo, tal produto pode ser identificado por uma marca formada pelo prefixo BUSCO – in casu, BUSCOFEM – integrando, assim, sem problema algum, a família de marcas formada pelo prefixo BUSCO, que já conta com as marcas BUSCOPAN e BUSCODUO.
Quanto à questão da sobrevivência da família no universo marcário, é importante saber que, se o elemento que caracteriza a família (radical/prefixo/sufixo) for distintivo, é possível manter a sua exclusividade e impedir que marcas semelhantes de outras empresas sejam registradas. Para tanto, é necessário comprovar para o INPI (3) e, caso necessário, para o Judiciário(4) que o elemento em questão não é de uso comum, mas, ao contrário, identifica uma família de marcas específica, pertencente à determinada empresa e que, justamente por isso, deve permanecer de seu uso exclusivo.
De acordo com um antigo ditado, “família é tudo igual”, mas isso, certamente, não se aplica às famílias de marcas, nem às de medicamentos. Na realidade, quanto mais diferentes essas famílias forem entre si, melhor – tanto no aspecto regulatório, como no marcário. O importante é que elas mantenham sua unicidade, de modo que todo e qualquer “intruso” possa ser devidamente “barrado nos portões” da LPI – a Lei da Propriedade Industrial n⁰ 9.279/96.
Notas:
(1) As marcas do Laboratório Neo Química são de titularidade da holding Hypermarcas S.A.
(2) TYLENOL BEBÊ (Paracetamol 100mg/ml), TYLENOL AP (Paracetamol 650mg), TYLENOL DC (Paracetamol 500 mg + Cafeína), TYLENOL SINUS (Paracetamol 500 mg + Pseudoefedrina) e TYLENOL CRIANÇA (Paracetamol 32mg/ml)
(3) Por meio de uma oposição ou de um processo administrativo de nulidade.
(4) Por meio de uma ação de nulidade perante a Justiça Federal.
©Deborah Portilho – março de 2016