por Deborah Portilho
Revista UPpharma nº 124, ano 33, Maio/Junho de 2011
Como já tivemos oportunidade de comentar anteriormente, em vista da crescente dificuldade de se criar novas marcas – em especial na área farmacêutica – alguns laboratórios têm preferido depositar marcas que já tenham sido registradas em nome de terceiros, mas que, de preferência, não tenham sido usadas no Brasil. Para isso, esses laboratórios procuram marcas na base de dados do INPI cujos registros já tenham sido declarados extintos, ou depositam em seu nome um pedido de registro para uma marca de interesse, de titularidade de um terceiro e, simultaneamente, pedem a caducidade do registro dessa marca. Sendo constatada a falta de uso da marca em questão, durante os cinco anos que antecedem o pedido de caducidade, o seu registro é declarado extinto e o caminho fica então livre para o novo pedido de registro.
Em tese, essa estratégia poderia ser considerada um “tiro certeiro” para se obter o registro da marca de interesse. No entanto, uma recente decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) mostrou que, dependendo do caso, a caducidade pode não ser mais um caminho tão certo assim para se registrar uma marca que já tenha sido anteriormente registrada em nome de outra empresa.
Esse é exatamente o caso da marca GENIOL, que identifica um analgésico muito popular na Argentina, há décadas no mercado daquele país, mas que não estava sendo usada no Brasil, apesar de devidamente registrada perante o INPI desde 1985. Assim, em 1999, um laboratório nacional depositou um pedido de registro para a marca GENIOL em seu nome e, em seguida, requereu a caducidade do registro existente com base na falta de uso da marca. Como com a caducidade do registro original o impedimento ao novo registro da marca GENIOL deixou de existir, ele foi então concedido pelo INPI à empresa nacional em agosto de 2007.
Inconformada, naquele mesmo ano, a titular da marca original ajuizou uma ação de nulidade desse novo registro, com base na fama e no prestígio que o produto GENIOL tem no país vizinho e na possibilidade de confusão para os consumidores, notadamente aqueles residentes nas cidades fronteiriças. O fundamento legal foi o artigo 124, inciso XXIII, da LPI (Lei da Propriedade Industrial nº 9.279/96), que prevê não ser registrável como marca “sinal que imite ou reproduza, no todo ou em parte, marca que o requerente evidentemente não poderia desconhecer em razão de sua atividade (…), se a marca se destinar a distinguir produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com aquela marca alheia”.
Em primeira instância, a ação foi julgada procedente para que o registro fosse declarado nulo. Tanto a empresa nacional como o INPI (responsável pela concessão do registro) apelaram dessa decisão, a qual foi então revertida pelo TRF2 em outubro de 2009. Entretanto, como essa decisão de segunda instância não foi unânime, a titular da marca argentina interpôs o recurso cabível (Embargos Infringentes). A decisão, proferida em 24/02/2011, sobre esses Embargos, foi no sentido de que “o fato de a embargante ter perdido seu direito de marca significa apenas que, sobre o signo que ela havia registrado – Geniol -, deixa de incidir o impedimento de aquisição previsto no art. 124, XIX da LPI”, mas, se preenchidos os requisitos estabelecidos no art. 124, XXIII, nada impede que este dispositivo legal seja aplicado.
Como se verifica, o cerne da questão é a aplicabilidade do citado inciso XXIII, do art. 124, da LPI. Nesse sentido, observe-se que, se a marca original estivesse em uso, o registro correspondente teria sido mantido em vigor pelo INPI e o pedido de registro da empresa nacional teria sido indeferido por aquele órgão com base no art. 124, inciso XIX 1, da LPI, que cuida dos conflitos entre marcas depositadas com outras anteriormente registradas. Tratando-se, contudo, de uma marca que o requerente não possa alegar desconhecimento em razão de sua atividade naquele segmento específico e, da inexistência de um registro ou mesmo de um pedido de registro para a marca em questão perante o INPI, o dispositivo legal aplicável seria então o inciso XXIII do art. 124.
Entretanto, no caso da marca GENIOL, não se trata da inexistência de um registro anterior, mas sim da extinção de um registro de uma marca que, por força da caducidade, reverteu ao domínio público. Por isso, a questão foi levada ao Judiciário para se decidir se o citado inciso XXIII pode, ou não, servir de base para a nulidade do novo registro. E como isso é perfeitamente possível, de acordo com o entendimento unânime dos Membros da Primeira Seção Especializada do TRF2, mesmo o registro original tendo sido extinto por caducidade, a empresa brasileira não poderá ter a marca GENIOL registrada em seu nome, a menos, claro, que essa decisão seja revertida.
Observe-se que não se pretende discutir aqui o mérito da questão, mas tão somente os efeitos práticos dessa decisão, caso ela venha a ser mantida. Nesse caso, dependendo da fama e do prestígio da marca de interesse, a via da caducidade deixará de ser uma alternativa eficaz para se obter o registro de uma marca de titularidade de outra empresa, que não esteja sendo usada no País.
Assim, sempre que houver interesse em uma marca de terceiros vulnerável a um pedido de caducidade, o melhor caminho passa a ser mesmo o da negociação para a compra do respectivo registro. Nesse caso, a solução é vantajosa não só para a empresa interessada na marca, mas também para a detentora do registro. Uma, lucra com a venda da marca que lhe seria tomada e, a outra, evita anos de espera até que a caducidade desse registro seja declarada, para que a marca possa finalmente, talvez, ser registrada em seu nome. Moral da história: a caducidade que era um “tiro praticamente certeiro” pode passar a ser um “tiro no escuro” e em slow motion, haja vista o tempo que os processos administrativos e judiciais levam para ser concluídos. No presente caso, já se passaram 12 anos desde o depósito da marca GENIOL pela empresa brasileira…
Nota:
1 Art. 124 – Não são registráveis como marca: (…)
XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;
©Deborah Portilho – maio 2011